A Empresa Simples de Crédito ou Microbanco e a facilitação para Crowdfunding do PLC 25/2007

02 julho 2015 / Microbanco / Comentários

Empresa Simples de Crédito

A Empresa Simples de Crédito ou Microbanco e a facilitação para Crowdfunding do PLC 25/2007.

Ontem, 1o de julho de 2o15, a Comissão Especial do Supersimples da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Complementar 25/2007 (Baixe a íntegra aqui), que se propõe a alterar a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (MPE) – Lei Complementar 123/2006.

Dentre várias alterações de cunho tributário, esse projeto trata de dois temas importantes para o acesso a capital por pequenos negócios:

  • Empresa Simples de Crédito ou Microbanco
  • Facilitação para Equity Crowdfunding

Ainda que seja cedo para qualquer conclusão definitiva sobre essas inovações, pois o texto deverá ser apreciado e votado pelo Plenário e seguir para sanção presidencial, acho importante trazer a tona essa notícia e, mais do que isso, convidar para um debate e uma análise sobre as suas possíveis consequências no ambiente regulatório e de negócios das empresas de Fintech – aquelas empresas conhecidas por se utilizarem de tecnologia para resolver problemas financeiros.

Este artigo traz a minha visão particular sobre o tema, ainda que obviamente orientada pelo fato de ser um dos fundadores, não reflete a posição da Intoo – iniciativa pela qual acredito ajudar a levar crédito às pequenas empresas.

Empresa Simples de Crédito ou Microbanco

Pelo que entendi de todo material disponível na Internet, foi por esforços do Ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, concretizados na proposta do Dep. Luiz Fernando Faria, que o projeto incluiu, nos artigos 63-A a 63-D, as regras básicas de criação e funcionamento da Empresa Simples de Crédito ou, como está sendo chamada informalmente, o Microbanco.

A razão para a criação desse tipo de instituição é simples: embora as MPEs sejam de fundamental importância para a economia brasileira, elas não possuem acesso a crédito bancário e, por isso, em qualquer soluço no cenário econômico as MPEs são as principais prejudicadas.

Nós gostamos muito de utilizar em nossas apresentações os dados do IFC e McKinsey que demonstram que apenas 7% das MPEs são bem servidas em termos de crédito.

Nossa experiência na Intoo aponta que o buraco é ainda mais embaixo. Essa pequena parcela de empresas que, em tese, seria bem atendida, faz face a taxas de juros altíssimas, muitos casos perto dos 10% ao mês.

Ao contrário de todos os tipos de instituições financeiras que existem hoje, as quais devem requerer, antes do início de suas atividades, licença de constituição e funcionamento para o Banco Central do Brasil (BCB) e, assim, observar inúmeras regras e limitações, esta Empresa Simples de Crédito ou Microbanco seria dispensada de registro e da observância de quaisquer regulamentações do BCB.

Por consequência, estes Microbancos também seriam dispensados de depósito compulsório (as instituições financeiras que recebem depósitos à vista são obrigadas a manterem certo percentual de todo depósito à vista depositado no BCB, assim se regula o nível de alavancagem e a quantidade de crédito disponível no sistema financeiro).

Este tipo de empresa poderá ser livremente constituída na forma de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), Empresário Individual ou Sociedade Limitada (LTDA) por qualquer pessoa com recursos próprios suficientes à concessão de crédito.

O nome empresarial não poderá conter a palavra “banco” ou qualquer outra expressão que a vincule com uma instituição financeira típica, portanto deverá constar a expressão “Empresa Simples de Crédito” que deverá inclusive ser obrigatoriamente veiculada em campanhas de publicidade ou ações de marketing.

O seu âmbito de atuação, segundo o projeto, deverá ser municipal. Esse é um dos pontos que considero merecer um pouco mais de atenção, pois certamente suscitará inúmeras dúvidas.

Estas empresas não poderão captar recursos da poupança popular, portanto, deverão realizar a concessão de crédito com recursos próprios, totalmente integralizados na sua constituição.

O projeto até expressamente enquadra a captação de recursos como crime de exercício privativo de instituição financeira prevista no art. 16, da Lei 7.492.

Isso não quer dizer necessariamente que estes Microbancos não poderão se alavancar e trabalhar apenas com recursos de equity, já que – nesse sentido – o texto traz um limite para o endividamento máximo de 3 vezes o seu patrimônio líquido, consideradas as obrigações do passivo circulante, obrigações por cessão de créditos e garantias prestadas, ou seja, quase todo o passivo da empresa é considerado para o cálculo.

Os Microbancos apenas poderão dar crédito a empresas, portanto, embora não haja uma proibição explícita quanto ao crédito para pessoas físicas, esta atividade permanece com seus limites hoje em vigor.

A concessão de crédito poderá se dar por meio de operações de empréstimo, financiamento e/ou desconto de recebíveis (títulos de crédito), inclusive podendo contar com o instituto da alienação fiduciária de bens como forma de garantia. Uma dúvida que fiquei com essa redação é se o projeto deliberadamente quis deixar de fora a cessão fiduciária, lembrando que esta serviria para bens móveis, enquanto a alienação fiduciária apenas para bens imóveis.

A única vedação que existe no que diz respeito ao devedor do crédito é em este ser uma pessoa jurídica de direito público, ou seja, órgão ou entidade pública de qualquer esfera.

O projeto, portanto, proibiria que a Empresa Simples de Crédito conceda crédito à órgãos públicos. O que de um lado me parece uma escolha política bastante clara, de outro me provoca questionamento a respeito de uma situação que não é nada rara na Intoo.

Diariamente centenas de empresas se cadastram na Intoo em busca de crédito e algumas delas são pequenas empresas que tem como cliente algum órgão do Poder Público que as pagam em prazos normais de mercado 30, 60, 90 dias. No entanto, pouquíssimas instituições (sejam elas instituições financeiras, fundos de investimento ou factorings) antecipam esses recebimentos.

A não ser em casos muito específicos, como, por exemplo, as empresas que recebem do SUS, a grande maioria das empresas que vendem para o Poder Público – via de regra – não possuem qualquer meio para anteciparem seus recebíveis por agentes privados.

Em suas atividades estes Microbancos não poderão cobrar nenhuma remuneração a não ser a taxa de juros das operações de crédito realizadas, isso se deve para evitar a cobrança de tarifas e taxas escondidas.

O projeto estabelece ainda que uma cópia do contrato deverá ser entregue à empresa devedora e também que todas as movimentações deverão se dar por meio de conta corrente dentro do sistema bancário.

Acredito fortemente que a criação destes Microbancos poderá ajudar na desintermediação do crédito e democratização do seu acesso a MPEs, tenho algumas dúvidas se será suficiente para a criação de um mercado crédito eficiente em que os preços serão formados de maneira equilibrada, principalmente pela limitação da atuação municipal, mas estou ansioso para ver funcionar.

Facilitação para Equity Crowdfunding

Embora não trabalhe diretamente com Equity Crowdfunding, essa é uma matéria que já estudei com bastante carinho no passado e é algo que me atiça a curiosidade até os dias de hoje.

Apenas para contextualizar a discussão, diria que temos hoje algumas plataformas que auxiliam empresas dispostas a realizarem suas primeiras ofertas públicas de valores mobiliários para o grande público investidor por meio da Internet. Uma delas é o Broota, da qual sou admirador pessoal pela sua execução exemplar.

De acordo com a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (órgão regulador do mercado de capitais), as MPEs são dispensadas de registro e da observância das suas regras (isso que torna caro e totalmente inviável para pequenas empresas) como emissora e da sua oferta pública de valores mobiliários (títulos de captação de recursos).

De outro lado, temos a Lei Geral da Micro e da Pequena Empresa que diz que as MPEs não podem se constituir na forma de Sociedades por Ações, o tipo de sociedade que seria mais apropriado para a emissão de valores mobiliários. Dessa forma, as MPEs que querem captar recursos por meio de mecanismos de mercado de capitais acabam com poucas opções.

Uma das alternativas, que aliás se mostrou a mais utilizada, seria emitir títulos híbridos que se revestem inicialmente em uma forma de dívida, portanto, o investidor inicialmente se torna credor da sociedade e, com o acontecimento de certos eventos futuros, um investimento maior em uma segunda rodada, por exemplo, tornam-se, de fato e de direito, sócios da MPE. Algo próximo das conhecidas convertible notes, do direito norte-americano.

Foi nesse contexto que o projeto de lei trouxe algumas inovações para o Equity Crowdfunding, bastante coisa inspirada no projeto oferecido pelo Dep. Otávio Leite, que tive a chance de trocar alguns emails no passado. Consigo notar a real intenção da norma em facilitar e incentivar o investimento-anjo em startups no Brasil.

De uma forma geral, o projeto tem muitos méritos por ter tratado da matéria e trazido algumas vantagens importantes (isenção de IR para o investidor, criação de um título especial para esse tipo de captação, cláusulas que asseguram uma maior proteção para o investidor).

Entretanto, a redação me deixa com inúmeras dúvidas sobre a natureza do Título de Impulso Econômico – MPE e do regime que será dado a ele pela CVM. Acho ainda que o texto merece alguns reparos de técnica legislativa e provavelmente tenha exagerado em relação a disciplinar aspectos eminentemente de cunho negocial, os quais deveriam – ao me ver – serem livremente estipulados pelas partes. É claro que me reservo o direito de, em uma primeira leitura, não ter compreendido a norma perfeitamente.

Títulos de Impulso Econômico – MPE

O projeto cria uma figura de debênture especial denominada Título de Impulso Econômico – MPE, a ser regulamentado pela CVM. Esse título seria representativo de cotas especiais.

A minha dúvida aqui, portanto, é se esse título enquanto debênture especial obrigatoriamente deverá ser um título para representar uma cota especial do capital social, portanto, no fim do dia seria um título exclusivamente para captação de equity. Ou se há possibilidade de emitir Títulos de Impulso Econômico – MPE que se manteriam como dívida ao longo de toda sua vida.

Estas cotas especiais poderão ser adquiridas por pessoas físicas ou jurídicas, contudo não poderão ser adquiridas por fundos de investimento.

O investidor gozará de isenção de imposto de renda sobre o ganho de capital. Não posso deixar de aplaudir a inclusão desse importante incentivo fiscal para investidores de risco.

O projeto limita a participação dos titulares daquelas cotas especiais a 50% do capital social e dos lucros, bem como veda o direito a voto, tudo bastante saudável a primeira vista.

O texto dispõe que os titulares das cotas especiais não possuirão quaisquer responsabilidades perante terceiros, independentemente se esse passivo é anterior ou posterior ao investimento. A rigor este tipo de disposição nem deveria ser necessária, mas dadas as nossas inúmeras exceções ao conceito de responsabilidade limitada e justificativas para uma desconsideração da personalidade jurídica, o texto é bastante feliz em reafirmar essa proteção.

O pagamento das cotas especiais também não seria considerado receita e, portanto, não desenquadraria o status de MPE.

A limitação do direito de recesso também aparece no texto do projeto. O investidor apenas poderá exercer o recesso após 2 anos da integralização das cotas e o valor não poderá ser superior ao investido.

A transferência das cotas especiais é dependerá do consentimento dos demais sócios, exceto se existir cláusula contratual expressa que disponha de modo diferente.

Não entendi o porquê do projeto ter se preocupado em estabelecer o direito de preferência, caso os empreendedores queiram vender suas participações. Também não entendi o motivo de haver como predisposição legal para o direito de venda conjunta (tag-along de 100%)  para os titulares de cotas especiais em relação aos empreendedores. Penso ser um pouco exagerado porque limita a liberdade de contratar sem grandes justificativas razoáveis.

Acredito sinceramente que este projeto representa normas mais claras para quem quer captar e muito mais segurança e vantagem para quem quer investir em startup. Estou ansioso para vê-lo em vigor, é claro que seria muito melhor se pudesse vir com alguns ajustes.

Gostaria muito de ouvir a opinião de outras pessoas envolvidas nesse mercado, portanto, sintam-se a vontade para comentarem abaixo.

Vamos realizar ainda mês de julho (data a ser fechada) um encontro das empresas e pessoas interessadas em discutir sobre Fintech e, em especial, uma forma de como podemos contribuir para que esse projeto se aperfeiçoe dentro das nossas experiências práticas.

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